Uma Internet depois...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Uma Internet depois...




Faz 49 anos que o Google comprou o YouTube por 1,65 bilhão de dólares. Não é brincadeira: segundo este estudo, um ano real equivale a 4,4 anos na Internet. A compra se deu em outubro de 2006, o que significa que foi há 11,17 anos reais. É só fazer a conta.

Nesta época, havia tanto conteúdo original para a Internet quanto freiras humoristas.



Nenhum estava no YouTube - a própria Irmã Selma é um clipe copiado de um DVD do Terça Insana, projeto de humor no teatro criado em 2001 por Grace Gianoukas. Também é desta época o Tapa Na Pantera, um curta que contou com menos de 40 mil espectadores no cinema, mas que recebeu até agora mais de 7 milhões de visualizações na plataforma de vídeos. Muita coisa era copiada da TV e do cinema. Muita coisa era copiada de outros sites. Muita coisa era arquivo tirado de câmeras caseiras. E muita coisa era flagra de paparazzi, incluindo aquele que tirou o YouTube do ar no Brasil por um tempo.

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O conteúdo original da Internet não estava lá, ainda que fosse ali replicado e copiado. O conteúdo original da Internet estava em dezenas, não, centenas, não, milhares de sites pessoais e de pequenos grupos. Nenhum deles valia 1,65 bilhão de dólares. As grandes empresas investiam em provedores de acesso e jornalismo. E incorporavam muito do conteúdo de pequenos sites, pessoais ou de pequenos grupos.

Era a época da conexão discada, da ultravelocidade de 8 Mbps nas linhas de banda larga mais caras, do MSN, do Orkut, dos vídeos virais que eram baixados dos PCs, dos celulares de flip que navegavam em conexões lentas de WAP, do download de músicas por MP3 no LimeWire ou em algum concorrente e que ouvíamos nos celulares (os mais modernos tinham cartões de 1 GB pra salvar músicas) ou na caixinha de som do computador. O Fotolog, que se usava para compartilhar fotos, não tinha filtros e costumávamos postar nossas fotos de viagens e comidinhas por lá. E era o tempo em que ter um blog fazia algum sentido mesmo que você não fosse o Não Salvo ou algum jornalista militante famosinho.

Em torno desta Internet, surgiu uma comunidade criativa que produzia coisas que fugiam completamente de qualquer padrão comercial já estabelecido. Falávamos do que queríamos, como queríamos e quando queríamos. Em um blog, você poderia postar memes tanto quanto a sua opinião sobre algum assunto. Um vídeo de 1 milhão de visualizações (muito para a época) podia ser qualquer coisa, desde uma raridade da TV até alguma bobagem em forma de animação. Não havia nenhum compromisso com o que quer que fosse do mundo real.

De vez em quando, ele extrapolava para a mídia tradicional, em quadros de "vídeos legais da Internet" em programas de variedades, na contratação da MariMoon pela MTV, na crianção do Overdrive também pela MTV (tem muito conteúdo do Overdrive, e não da MTV aberta, que eu gostaria de encontrar por aí), no YouTube ganhando a capa da Veja antes mesmo de sua compra pelo Google, e etc.



Mas o que dava certo na Internet era o que se fazia sem pretensão alguma, sem análise de SEO, sem empresas bilionárias por trás, sem compromisso com corporações ou partidos. Era o que se fazia porque sim. E foi porque sim que a Internet se impôs como linguagem revolucionária - e como negócio do futuro, cumprindo todas as promessas que outros serviços "interativos" não cumpriram.

Isto faz 11 - ou 49 - anos.

Como vai a nossa experiência de Internet hoje?

Reduzida ao feed do Facebook, do Twitter, do Instagram, do Snapchat e do próprio YouTube, fazendo maratonas na Netflix, ouvindo músicas no Spotify em modo aleatório e conversando pelo WhatsApp num celular que armazena bem mais do que 1GB, mas ninguém usa pois tudo já está no stream ou na nuvem.

Lembra daquele conteúdo revolucionário da Internet? Então, nem os pequenos produtores querem saber dele. O YouTube divide a receita publicitária com produtores de conteúdo, que nem precisam mais de um site para divulgá-los. E todos os conteúdos cada vez mais se parecem - esquetes, stand up, pegadinhas, dicas e gente jogando videogame.

Nós nunca fomos tão passivos na Internet quanto hoje. Pequenos criadores de conteúdo trabalham de graça - ou quase - para grandes corporações que vendem nossas informações para anunciantes do mundo todo. A atenção vai cada vez mais em direção ao que aparece em nossas timelines. Deixamos de procurar conteúdo ao devastar a rede e agora os algoritmos nos dizem o que consumir. Curta e ative as notificações. Comente e compartilhe. Poste no Facebook, no YouTube, ou em qualquer outra plataforma que aglomera seus amigos. É tudo o que você pode fazer agora.

Se isso não levasse à formação de bolhas de pensamento, então a raça humana surpreenderia qualquer Freud. Mas é exatamente isso: as corporações fazem dinheiro fingindo que dão liberdade pra você se comunicar - e que você precisa delas pra tudo. Poucas pessoas procuram por notícias e entretenimento; agora, notícias e entretenimento vêm até você. Do jeito que você quer. Com a ideologia que o Facebook e o Google já sabem que você tem.

Antes, nós dávamos as cartas no que se tornaria viral; hoje, isso depende cada vez mais das corporações que ficam cada vez maiores e vorazes. Sobrevive quem descobrir como ser bem sucedido na era do algoritmo. E se o YouTube ser comprado por 1,65 bilhão de dólares foi muito para a época, hoje é dinheiro de pinga perto dos mais de 80 bilhões de valor de mercado da Netflix, uma empresa que levou o poder de curadoria da grande mídia ao século XXI (ou alguma série nos próximos 10 ou 20 ou 44 ou 88 anos vai fazer sucesso fora desta plataforma? E a mesma coisa se dará no Spotify).

A comunidade que se construiu em torno da Internet se dissolveu. E se antes nos divertíamos com Terça Insana e vídeos que achávamos garimpando a rede, hoje nos divertimos assistindo aquilo que aparece em nossas timelines como fazíamos na era jurássica da televisão: receber o conteúdo passivamente, gostar (ou não) dele, e continuar vendo.

Restaurar esta comunidade não é impossível, mas exigiria sair do Facebook como primeiro passo. E eu não sei se algum dia alguém vai se dispor a fazer isso. Talvez daqui a mais 11 anos. Tudo bem, 49.

Em tempo: duas recomendações de textos sobre o tema:

- "A Web que temos que salvar", do blogueiro iraniano Hossein Derakhshan. Traduzido por Lara Freitas para o YouPix.

- "A destrutiva troca da busca pelo social", de Nat Eliason (em inglês).

Um comentário :

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