abril 2016

sábado, 16 de abril de 2016

O benefício da dúvida


"Se você não está em dúvida, é porque foi mal informado". Desconheço a autoria da frase. Ela aparece no meio do filme "O Mercado de Notícias", de Jorge Furtado. Escrita de outra forma, talvez. É que minha memória está muito confusa...

Na intervenção que a Mídia Ninja (a Globo usa O Antagonista como fonte, eu uso o que quiser também) fez na velha MTV, exibida na tarde de seu último dia de transmissões, Cláudio Prado foi ainda além:

"Os moleques dizem assim: 'ah, tô na dúvida'. Graças a Deus! Se você tivesse certeza, cê tava fodido num momento que nem esse! (...) Nesse momento, o caos passa a ser uma coisa extremamente interessante e positiva".



Eu estou na dúvida há muito tempo. Não desde a eleição, nem desde o primeiro protesto a favor da saída de Dilma Rousseff, realizado no dia 15 de março do ano que passou. Eu estou em dúvida desde o dia em que percebi que, no programa de auditório que se tornou a política brasileira, todos os lados, inclusive aqueles que pareciam mais ponderados, só fazem repetir slogans. E certezas absolutas, incontestáveis, que regem esses mesmos slogans.

O governo mais corrupto da história, não vai ter golpe, é preciso investigar os dois lados, Dilma foi um desastre mas impeachment não é legítimo, sou contra PT e PSDB e quero uma alternativa política, sou contra o capitalismo e quero a revolução. Todos os textos que analisam a crise política partem de uma dessas premissas. Sem exceções. Até artigos acadêmicos, canais de YouTube e trenzinhos de meme estão fechados no meio da polarização.

E ela não é só PT e PSDB. É PT, PSDB, omissão, Psol, stalinismo, Luciana Genro, Bolsonaro... Fora de PT e PSDB há muitos caminhos, mas a boa parte deles dá em lugares escuros.

Falta debate. E sobra certeza. Só eu ainda tenho dúvidas. Estou bem informado demais? Ou eles estão bem informados, com as fontes certas, enquanto eu me alieno?

São 2h21 do dia 17 de abril no momento em que escrevo este trecho. Falta muito pouco para a Câmara decidir se encaminha ou não o pedido de impeachment de Dilma para o Senado. Os dois lados dizem ter os votos necessários para atingir seus objetivos. Como no clássico musical entre Polytheama, de Chico Buarque, e Namorados da Noite, de Toquinho, os dois times reivindicam a superioridade.

Enquanto pixulecos são levados ao plenário, amadores em geral seguem a discutir o que ocorre no país. Nas redes sociais ou nos táxis e bares da vida. De novo, não vejo dúvidas. Só certezas. Afinal, estamos a repetir 1992 ou 1964? Ao escolher uma das respostas, é proibido manifestar dúvida.

Mas porque o PT pediu impeachment de FHC? Naquele caso havia crime? Ou era outro PT?

Porque o PSDB, que acusou o PT de fascista por causa do comercial (acho que de 2001) em que os ratos roíam a bandeira nacional, usa expediente semelhante em seu marketing político agora que é oposição? Naquele caso sobrava honestidade? Ou era outro PSDB?

O impeachment vai moralizar o país? A Lava Jato vai parar se e quando Michel Temer assumir? Políticos que hoje negociam favores com o governo e com empresas vão deixar de fazê-lo se o presidente não militar no PT?

Dilma cometeu crime ou usou expediente válido? O dinheiro foi pra corrupção ou pra programas sociais? Porque os dois lados alegam, respectivamente, as duas coisas? Quem tem razão?

E afinal, o impeachment que entra em votação hoje tem a ver com um crime de responsabilidade ou é uma moção de censura que serve mais a um sistema parlamentarista? Parlamentarismo é solução para o Brasil? Quem seria o primeiro-ministro? Quais seriam os resultados de um parlamentarismo sob influência do PMDB?

Posso ser contra o impeachment e contra o governo? Pode um eleitor do Aécio ser contra o impeachment? Pode o contrário?

O Gregório Duvivier pode ser contra o impeachment? O Antônio Tabet pode ser a favor? Os dois podem explicitar suas posições sem acusações de se venderem para Lei Rouanet e Luciano Huck? Você sabe como funciona a Lei Rouanet?

Posso ficar em casa domingo? O Silvio Santos pode não passar a votação ao vivo e ser uma opção para este hipotético eu?

Quem vai pra rua contra o impeachment não necessariamente defende o governo? O que o Lula faz nesses protestos então? E por que ele é recebido nesses protestos como uma estrela de Hollywood?

Esses protestos são convocados pela CUT petista? Então a FIESP tucana convoca os protestos contra o governo? O que significa o pato da FIESP? Indignação com a corrupção ou com o aumento de impostos para os ricos?

Posso não ir pra nenhum desses protestos e concordar com algumas coisas de um, de outro ou dos dois? Posso não ir pra rua mesmo concordando integralmente com um ou outro?

Desculpe se me alonguei nesses questionamentos. São 2h44 e eu tenho que dormir (não sem antes ouvir uma infinidade de músicas e ver alguns vídeos no celular). Mas se a ausência de dúvida é sinal de boa informação, então eu estou bem informado demais. Ou a frase não é verdadeira? Olha aí, mais uma dúvida.

Que neste domingo a dúvida atormente a todos vocês.