setembro 2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Sobre fãs e fãs políticos


É difícil ouvir críticas às pessoas que a gente gosta. É difícil porque a gente acaba, direta ou indiretamente, tomando essas críticas para nós mesmos. A gente sofre com eles, nossos amigos, nossos pais, nossos irmãos, nossos vizinhos, nossos colegas de escola,... e nossos ídolos.

Falo por experiência própria. Quando saiu a treta da Taylor com a Nicki, quase perdi a compostura com o número de pessoas chamando a loira de racista e falsa. Também me irritei com o editorial do Independent dizendo que o feminismo da Taylor é "falso" porque é "branco". E me irritei profundamente quando Katy Perry - provavelmente num ato de vingança por "Bad Blood" (clipe abaixo) - disse que o feminismo da Taylor é hipócrita.



O truque aqui é respirar, contar até 10 e se colocar no lugar das duas pessoas. Você vai perceber que a maioria das pessoas, mesmo as que têm razão ao falar que não se pode ignorar o racismo, pensam mais com o fígado do que com o cérebro. Taylor errou, mas por interpretar um tweet errado. Nicki está certa ao dizer que há racismo na música, mas isso não faz da Taylor uma vilã - muito menos uma vilã racista. Ela só interpretou um tweet errado. O ideal era que as duas se entendessem, para o bem das causas que defendem, e não que os fãs ficassem discutindo quem tinha razão.


Enfim, a questão Taylor x Nicki foi resolvida, as duas subiram no palco do VMA para cantar "The Night Is Still Young", as experiências de militância de ambas - o feminismo de uma e o combate ao racismo de outra - estão de mãos dadas, finalmente. Vida que segue.

Mas fiquem tranquilos que isso não é mais uma aula da "Escola Musical". A verdade é que nosso ídolos não estão apenas nas artes. Muitos deles estão na política. E o artigo de Pedro Alexandre Sanches sobre a "misoginia" das críticas à sua "ídala" Dilma Rousseff mostra exatamente o ponto de que criticar nossos ídolos dói em nós mesmos.

"Todo mundo sabe que a misoginia campeia soberana nos terrenos férteis e lodosos da direita, de reinaldos e josias (esse último é o mais grotesco entre tantos misóginos antiDilma). Mas faz estragos também na blogosfera progressista, na parcela dela que não crê nas políticas do corpo como políticas de Estado".

"A atitude Desabonadora, Desqualificadora e Denegadora Diante de Dilma é generalizada na blogosfera progressista, nos professores de governo daquela que foi eleita e reeleita apesar de não saber governar. Esses, além de gastar 70% do tempo combatendo a corrupta e Decadente imprensa tradicional, Desperdiçam os outros 30% Depreciando uma presidentA que tem atravessado feito amazona uma floresta de espinhos. (Não sou nada bom em matemática, mas, noutras palavras, passam 30% do tempo ajudando a consolidar o ponto de vista da mídia Decrépita que Detratam em 70% do tempo.)"

Quem escreve estas linhas votou em Dilma (não, direitistas, eu não recebo nada do PT, nem Bolsa Família. Se recebesse pra falar bem da Dilma, não seria tão pobre). Não me arrependo. Foi um exercício de lógica: quem fica com o dinheiro que sobrou da crise internacional? O Coleguinhas explica melhor o assunto.

Não considerava Dilma uma "fraca" quando votei nela - eu jamais votaria em um político fraco. O problema é que o dinheiro começou gradativamente a sair do bolso dos pobres e passar para o "mercado". E era esse programa que o Brasil tinha rejeitado quando escolheu Dilma em vez de Aécio.

(Dizem que a estratégia era se render na economia para avançar em outras questões, já que o Congresso eleito era o pior desde 1964. Se a estratégia era essa, Dilma falhou, como prova a ascensão de Eduardo Cunha).

Basicamente, o PT venceu eleições porque seus governos deram passos importantes em realizar as tarefas mais urgentes no desenvolvimento social brasileiro. Não foi porque o partido do bem derrotou o "imperialismo americano", a "elite" e a "mídia golpista". Nem foi porque o malvado Foro de São Paulo manipula as pessoas. Foi porque o dinheiro chegava no bolso dos pobres.

O ajuste fiscal é o chifre que leva ao divórcio, para ficar no terreno das comparações. Durante os protestos de junho, muita gente chamava Dilma de corrupta e gritava "fora PT", mas mesmo quando a popularidade de Dilma caiu, ela continuou mais popular do que FHC em seus anos mais traumáticos. Depois do ajuste, o grito de "fora Dilma, fora PT" ganhou força entre aqueles que compunham sua base: os mais pobres, que viram conquistas de décadas serem ameaçadas pela tesoura de um ministro da presidenta que repetiu a palavra "social" nos debates mais do que qualquer outra.

A popularidade baixou a um dígito. E um governo impopular sempre tem mais dificuldade em dialogar com o Congresso. A crise nasceu daí. E é isso que fez Dilma enfraquecer. Não é o fato de ser mulher, mas o fato de não contar mais com o apoio popular que lhe deu força para vencer Aécio Neves em uma eleição disputadíssima. A oposição sempre se aproveita da falta de apoio de um governo para ganhar força visando eleições futuras - é o que está acontecendo nos EUA e vai acontecer na Grécia. É também o que o PT fez com Fernando Henrique, um presidente que saiu do poder... fraco.

Atribuir ao machismo as críticas que a esquerda progressista faz ao governo é uma miopia que só se justifica pela forma como os fãs da Dilma - e aqui eu excluo boa parte dos militantes mais críticos - sofrem com as críticas que fazem a ela, mais até do que a própria Dilma.

É claro que o Nassif, por exemplo, não é aquele jornalista com quem eu concordo. Se houvesse golpe todas as vezes que ele disse que ia ter um, o Brasil seria mais instável que o universo de "Game Of Thrones". Mas é estranho que as críticas vindas da esquerda à blogosfera progressista sejam direcionadas à contestação que essa blogosfera faz ao governo. Diz-se que eles fazem o coro da "imprensa golpista" - ou PIG, como diz Paulo Henrique Amorim (cria uma cobra e morrerá picado) - e que estão atrapalhando o governo (como se a função da mídia, de esquerda ou de direita, fosse ajudar algum governo). Teve gente que até mandou coisas como "perdemos a CartaCapital para o PIG", em razão de críticas que essa revista fez ao ajuste fiscal.

O truque aqui é respirar e contar até 10. Todo mundo que votou na Dilma, inclusive eu, pode criticá-la por qualquer coisa que ela fez, basta não concordar com ela. Apoiar um governo não significa aferrar-se a ele. Da mesma forma que o NY Times, apoiador de Obama, critica atitudes de seu governo. É essa a diferença entre apoio editorial e discurso de fã.

E você pode discordar de quem discorda do governo - usando argumentos, claro, e não a mera convicção de fã. É difícil, mas vale a pena porque ajuda a melhorar o ambiente político do Brasil, contaminado por discursos cada vez mais radicais.

O que não pode é atribuir uma falsa causa - machismo, misoginia, racismo, rendição ao PIG - para invalidar uma opinião contrária ao governo. Até porque fora dos fã-clubes, esse discurso não cola.

E ai de quem falar mal da Taylor nos comentários...